sábado, 6 de novembro de 2010

Virtudes Cristãs



Virtude, do latim virtus, virtute, virtutis, de vir, viril, força, vigor; do grego, ρετή, arèté, arete, força; designa toda excelência própria de uma coisa, em todas as ordens de realidade e em todos os domínios. Segundo os dicionários, uma disposição constante, habitual ou firme da alma que levam o homem a praticar o bem ou a evitar o mal, equivalendo a uma força moral; Virtude é o conjunto de todas ou qualquer das boas qualidades morais; uma ação virtuosa; austeridade no viver; qualidade própria para produzir certos e determinados resultados; propriedade, eficácia; validade, força, vigor. A virtude caracteriza-se pela héxis ou habitus, que significa uma disposição para viver a virtude: é definida como uma maneira de ser adquirida. O latim traduziu héxis por habitus. A virtude só será héxis ou habitus se for retirado desse termo o caráter de disposição permanente e costumeira, mecânica, automática.  Outra característica da virtude e a mediedade (mésotès), estar no meio, no equilíbrio; termo que remete ao termo médio de um silogismo e também à média ou medida, ou ao meio termo, que caracteriza a virtude. A virtude é uma disposição habitual e firme de fazer o bem. “O fim de uma vida virtuosa consiste em se tornar semelhante a Deus”, como escreveu Gregório de Nissa. Há virtudes sobrenaturais e virtudes humanas. Na Igreja Católica, a partir das Escrituras, e por antiga tradição patrística, a teologia distingue as virtudes sobrenaturais, que incluem as virtudes teologais e cardeais; e as virtudes humanas.
Virtude é uma disposição estável e firme em ordem a praticar o bem. A virtude revela mais do que uma simples potencialidade ou uma aptidão para uma determinada ação boa: trata-se de uma inclinação. Virtudes são todos os hábitos constantes que levam para o bem, quer pessoalmente, quer coletivamente. É uma disposição constante e habitual que leva a praticar o bem e evitar o mal. Denomina-se virtude o hábito operativo bom e vício o hábito operativo mau. Hábito é ação voluntária e livre que se repete conscientemente.
Na Igreja Primitiva, desde a Antiguidade cristã e até os nossos dias atuais, com base nas Escrituras e no conhecimento filosófico, as virtudes foram aprofundadas pelos Padres da Igreja e pelos místicos de forma impressionante e profunda. Essa busca pelo conhecimento das virtudes continua sendo uma fonte inesgotável de força para quem vive a espiritualidade e o desejo de crescimento no seguimento de Jesus. Antes mesmo do cristianismo, filósofos gregos e romanos estudaram e elucidaram quanto possível as virtudes, especialmente as que chamamos de virtudes cardeais. E ainda antes dos filósofos gregos e romanos da antiguidade conduzirem um estudo mais intelectual e prático, a mitologia grega e romana, assim como a egípcia, babilônica, persa, ou de outros povos relacionados com a tradição bíblica, já nomeavam e caracterizaram seus “deuses” com idéias estruturais arquetípicas primordiais da psicologia humana, que hoje quando comparados com o conhecimento da psique (alma), podem ser diretamente relacionados com muitas das virtudes humanas morais ou intelectuais.
Cristãos partiram de premissas desses estudos filosóficos e mitológicos, tendo acima de tudo fundamentado nas Escrituras Sagradas o seu empenho de conhecimento das virtudes, de maneira mística e ascética, espiritual e prática; classificaram todas as demais virtudes humanas, intelectuais e morais cristãs de diferentes formas, segundo as diferentes escolas de espiritualidade dentro da Igreja nos seqüentes períodos da história. As escolas de espiritualidade mais consistentes na Igreja, como por exemplo, a bíblica, a patrística, a medieval e a moderna, com tantas manifestações ou vertentes específicas particulares, elaboraram verdadeiros tratados sobre as virtudes e lançaram uma viva iluminação sobre os conceitos e a etimologia, a origem, as fontes, métodos, excelência, necessidade e divisão das virtudes, tanto no aspecto místico como prático.
As virtudes humanas adquiridas pela educação, por atos deliberados e por uma perseverança sempre retomada com esforço, além de ajudar profundamente na integração psicológica profunda, são purificadas e elevadas pela graça divina. Com o auxílio de Deus, forjam o caráter e facilitam a prática do bem. A pessoa virtuosa sente-se feliz em praticar as virtudes; sente-se também desejosa de conhecer sempre mais os meios e as capacitações necessárias para a prática delas. Não é fácil para a pessoa humana ferida pelo pecado manter o equilíbrio moral e psíquico. O dom da salvação trazida por Jesus concede a graça necessária para perseverar na conquista das virtudes. Cada um deve sempre pedir esta graça, recorrer aos sacramentos, cooperar com o Espírito Santo, seguir apelos de Deus de amar o bem e evitar o mal.
As virtudes, como disposições habituais, revestem a natureza de quem opera ou age, de tal modo que imprime na pessoa uma força. Disso vem o termo virtude, que realiza melhor a perfeição que existe na natureza e torna melhor a operação de quem a possui. Por isso, a virtude torna melhor quem a possui e dispõe quem a possui para a boa operação. Mas o mesmo se diz do vício que, sendo um hábito mau, imprime na natureza de quem o possui uma má disposição, enquanto lhe priva de algum bem ou perfeição natural. Este hábito é de difícil remoção e cada vez mais pela força que adquire dificulta e até impossibilita a realização ou a aquisição de algum bem ou perfeição natural próprio ou que lhe convenha. Este hábito porque opera contra a natureza é antinatural. E porque este hábito se realiza mediante algum ato ou operação, diz-se que sua repetição torna pior o ato e, por sua vez, a natureza de quem possui este hábito mau.
A virtude aperfeiçoa quem a possui. De qualquer maneira, é mais fácil adquirir um hábito bom do que remover um hábito mau, justamente por causa da influência das paixões sobre o que é voluntário; e isso se confirma ao constatarmos que as paixões são iminentes e muito dependentes frente àquilo que as experiências sensíveis, rotineiramente, nelas causam inclinação ou aversão. São propriedades das virtudes: ser o justo meio termo entre o excesso e a deficiência; tornar a ação fácil e deleitável; relacionar-se com outras virtudes e com o fim último e não se verter em mal. As virtudes morais são adquiridas pela repetição dos atos. Regra que, também, vale e se aplica aos vícios. Neste sentido temos: o ato repetido gera o hábito e o hábito, segundo o bem ou o mal, gera ou a virtude ou o vício. E porque a ação humana pode ser a nível especulativo ou prático, há, por isso, os hábitos especulativos e os práticos e, do mesmo modo, as virtudes e os vícios especulativos e práticos.
Como regra geral, a importância das virtudes está em que elas tornam bom aquele que as possui e boa a obra que essa pessoa faz. O aspecto prático das virtudes nos aponta que além do aspecto teórico da sua conceituação, estritamente conexo com o sistema filosófico no qual se enquadra, a ética apresenta um aspecto prático de vivo e permanente interesse e necessidade: como formar e desenvolver as virtudes, para que nossa vida cristã seja verdadeiramente um testemunho vivo dos ensinamentos de Jesus Cristo.

Classificação das virtudes

As virtudes teologais são sobrenaturais e infusas: fé, esperança e caridade/amor.
As virtudes cardeais são gonzos nas quais se estabelecem todas as outras virtudes morais (naturais ou infusas) ou intelectuais (naturais ou infusas). As virtudes cardeais dão origem a muitas ramificações e visam diretamente à participação na vida de Deus, ou a um bem sobrenatural criado, como por exemplo, o domínio das paixões, e preparam a visão beatífica. Correspondem a todas as necessidades da alma e aperfeiçoam todas as suas qualidades morais e intelectuais. São estas as virtudes cardeais: a prudência, que é virtude racional por essência e se dispõe a aperfeiçoar a razão; a justiça, que é racional por participação e dispõe ordenar a vontade; a fortaleza, que modera o impulso sensitivo irascível; e a temperança, que modera o impulso sensitivo concupiscível.
Todas as virtudes humanas, efetivamente, dependem diretamente das virtudes teologais, além de estar ligadas diretamente também a uma das virtudes cardeais. Todas as virtudes morais se dividem ou inserem aproximativamente por afinidade, dentro do âmbito de uma das quatro virtudes cardeais, por favorecer essa virtude ou dela depender, sendo que sobre estas quatro cardeais se fundam todas as demais virtudes cristãs; e todas as virtudes humanas interdependem umas das outras. Não se pode praticar ou viver uma virtude, sem que despertem todas as outras; e não se fere uma virtude, sem que as outras sejam atingidas também.
Todas as virtudes humanas se dividem também em virtudes morais (naturais ou infusas) e em virtudes intelectuais (naturais ou infusas). As virtudes morais, pelo hábito dos princípios da razão prática, adquirem ou realizam algum bem ou perfeição da vontade e dos apetites sensíveis que são: concupiscível e irascível; as virtudes intelectuais, pelo hábito dos princípios da razão teórica, adquirem ou realizam algum bem ou perfeição do intelecto. As virtudes intelectuais se dividem em especulativas e práticas. A virtude intelectual especulativa inclina o intelecto perfeitamente para a verdade universal. O intelecto, hábito dos primeiros princípios especulativos, orienta a pessoa para a verdade, evitando o erro e o engano. A sindéresis, verdade absoluta, como capacidade da pessoa de entender retamente as coisas, hábito dos primeiros princípios práticos, inclina para a busca do bem, justamente na medida em que evita o mal. A sabedoria, como hábito de considerar a realidade por sua causalidade última, na medida que não procura o conhecimento das coisas por si mesmas, mas por aquilo que elas indicam para além de si mesmas, transcende o intelecto e a sidéresis. A virtude intelectual prática inclina o intelecto para o reto juízo, aqui e agora, acerca da ação particular. São virtudes intelectuais práticas a arte, a reta razão do fazer; e a prudência, a reta razão do agir.
Os sete pecados capitais, como tendências e impulsos que podem levar a pessoa ao pecado grave, chamados assim porque são fonte e cabeça (cápite, em latim) de muitos pecados, precisam ser enfrentados, contrariados, opostos e vencidos. Para isso existe também outro tipo de organização das virtudes, que é baseada nas chamadas sete virtudes capitais. Para cada pecado capital existe uma virtude de poderosa capacitação no processo de vencer o pecado dominante: soberba/orgulho: humildade; avareza: generosidade; luxúria: castidade; ira: paciência; gula: temperança; inveja: caridade/amor; preguiça: operosidade. Para vencer todas as tentações humanas temos sempre o auxílio das virtudes, segundo cada circunstância.
 Além destas, muitas outras virtudes são englobadas por determinados enfoques. Um exemplo seriam os dons e frutos do Espírito Santo, que são também e ao mesmo tempo virtudes; quanto mais aprofundados à luz das Escrituras Sagradas, mais podem iluminar e orientar a vida dos cristãos. Outros exemplos seriam as bem-aventuranças (pobreza, sofrimento, mansidão, fome de justiça, misericórdia, pacificidade, sofrimento por causa da perseguição), e os conselhos evangélicos (castidade, pobreza e obediência), que podem ser aprofundados também como virtudes profundamente essenciais para a vida mais conforme aos próprios ensinamentos de Jesus. Existem também outras bem-aventuranças bíblicas que são puras virtudes. As obras de misericórdia, tanto corporais como espirituais, estão revestidas profundamente da caridade/amor, e pedem consigo todas as demais virtudes. Junto a cada um dos Mandamentos de Deus ou aos Preceitos da Igreja está também uma ou mais virtudes anexas, para corroborar e sustentar o mandamento e o seu cumprimento no amor. Os próprios Sacramentos nos lembram e tornam atuante a graça santificante em nossa existência nas diversas fases da vida, fazendo desabrochar as potencialidades e as disposições das virtudes que farão florescer plenamente a graça dos próprios Sacramentos. A própria natureza da vida cristã, a inabitação da Santíssima Trindade, o relacionamento com Jesus, com o Pai e com o Espírito, com Maria, com os Anjos, com as Santas e com Santos da Igreja, nos oferece uma perspectiva luminosa da graça e do progresso na vida espiritual e na santificação, através das virtudes, como luta contra os inimigos espirituais: contra a tríplice concupiscência, contra o mundo e contra o demônio. Quando pensamos nos novíssimos, somente a perspectiva de uma vida na virtude confere a esperança escatológica, e a luz necessária para compreender bem os ensinamentos da Igreja quanto a essas verdades de fé. Os princípios da vida ascética: vida natural e sobrenatural; queda, castigo, redenção e efeitos; apontam diretamente para a necessidade e para a importância da consciência e da prática das virtudes. O próprio estudo das virtudes é reconhecido na teologia dentro do âmbito da ascese e da mística cristã. Os pecados contra o Espírito Santo encontram a força e a coragem de seu afastamento completo na virtude da Fé principalmente, mas também em todas as demais virtudes teologais e cardeais. Se nos colocamos diante da proposição de uma vida de aprofundamento na espiritualidade e na oração, necessitamos do conhecimento e da prática de todas as virtudes: por isso fala-se do aspecto místico e prático das virtudes.  O próprio estudo dos temperamentos humanos, e mais amplamente o aprofundamento no âmbito da psicologia, com o uso de terapias psicológicas, está crivado pela presença e exigência do direcionamento na compreensão e na prática de virtudes humanas, sejam morais ou intelectuais, orientando para os meios, o desejo e a realização de uma vida mais conforme a retidão da busca do bem. Esta mesma realidade integralmente se aplica ainda mais à orientação espiritual e à formação cristã; e também à prática da meditação e da contemplação, e à organização da vida cristã em si; que são meios externos eficazes para crescer nas virtudes cristãs, quando voltados retamente ao fim que se destinam, ou seja, à santificação dos cristãos. Quanto aos meios internos que ajudam alguém a crescer no caminho da santificação: o desejo de perfeição, o conhecimento de Deus e de si, a conformidade com a vontade divina e a oração, sempre e de muitos modos, encontram-se permeados pela presença das virtudes. De todas as maneiras nossa vida cristã está revestida e envolvida pelas virtudes.